Resumo:
Este artigo, de natureza teórica e qualitativa, tem por objetivo analisar o direito à participação dos segurados nos conselhos gestores de seus regimes previdenciários, especificamente nos conselhos de administração dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS’s), que protegem os funcionários públicos, tendo como parâmetro a experiência dos estados brasileiros. O referencial teórico é a problemática apontada pela literatura concernente à representação e participação social nos conselhos gestores de políticas públicas no Brasil. Primeiro, há a análise da literatura que trata das origens dos conselhos e das virtuosidades e objeções no seu funcionamento. Em seguida, o artigo recupera a evolução do papel dos trabalhadores nos conselhos gestores da Previdência Social brasileira. Após, com base na citada problemática, o paper compara a legislação dos conselhos gestores dos RPPSs estaduais tendo como parâmetros a natureza das atribuições, composição, forma de provimento dos membros, duração do mandato, retribuição pelo exercício da função e exigência de capacitação. Os resultados demonstram que a experiência democrática na gestão dos RPPSs estaduais é dispersa. Demonstram também que o marco regulatório dos RPPSs, apesar de denso, é limitado no que se refere aos aspectos de representação e participação dos servidores nos órgãos gestores, restringindo-se a prescrever a necessidade de garantir a representação dos segurados nos espaços em que seus interesses sejam objeto de discussão, não promovendo nenhuma espécie de regulação sobre o funcionamento desses conselhos. O trabalho conclui que a gestão democrática dos RPPSs estaduais ainda se encontra num estágio inicial, necessitando de avanços.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo foi elaborado levando-se em consideração parte dos resultados obtidos numa dissertação de mestrado em Administração Pública (CALAZANS, 2010) e, devido à importância e ineditismo do tema, merece ser divulgado. O que se espera, com a sua publicação, é permitir aos gestores dos Regimes de Previdência Social dos Servidores Públicos de todo o País realizarem análise introspectiva e tomarem essas informações como referência para o desenvolvimento de melhorias na gestão de seus regimes previdenciários.
A previdência social brasileira, de cunho obrigatório, constituída pelos regimes próprios, que amparam os servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo, e pelo regime geral, que protege os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos sem a proteção dos regimes próprios, possui mais de 48 milhões de contribuintes, correspondentes a 52,1% da população economicamente ativa ocupada (BRASIL, 2009b). Relativamente aos RPPSs, mais de 9,2 milhões de pessoas, entre militares e servidores públicos ativos, inativos e pensionistas, encontram-se vinculados a um dos 1.9061 RPPSs existentes no País (BRASIL, 2009a).
Juntos, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e os RPPSs arcaram, em 2008, com uma despesa de R$238,3 bilhões, equivalente a 8,2% do produto interno bruto. Não obstante as despesas com aposentadorias e pensões do RGPS (R$160,7 bilhões) equivalerem a 2,5 vezes os gastos no âmbito dos RPPSs (R$63,2 bilhões), o RGPS possui 21 milhões de aposentados e pensionistas, equivalentes a mais de 7 vezes o número de beneficiários dos RPPSs (3,1 milhões) (BRASIL, MPS, 2009a; 2009b).
Sucede que o controle dos excessivos gastos dos RPPSs, conforme anteriormente apontado, interessa à sociedade como um todo, pois, em caso de insuficiência de recursos, será ela que arcará com os custos da imprevidência dos gestores dos RPPSs. “O equilíbrio da previdência social interessa não só à Administração Pública, mas também […] à sociedade” (CAMPOS, 2004, p. 33), pois o controle desta é fundamental para a melhoria da alocação dos recursos públicos.
Decorre daí a importância de acompanhar a gestão dos RPPSs e de fiscalizá-la, haja vista que os recursos financeiros per capita destinados aos funcionários públicos vinculados a um RPPS são expressivamente superiores aos direcionados para os beneficiários do RGPS. Mesmo diante da turbulência da crise econômica internacional de 2008, o patrimônio dos RPPSs federal, estaduais e municipais cresceu mais de 50% em três anos (2006-2008), atingindo o patamar de R$37,4 bilhões (BRASIL, 2009a).
À luz do contexto de reconstrução democrática, há mais de uma década do fim da ditadura militar, iniciou-se um movimento nacional de modelagem dos RPPSs, trazido com a reforma previdenciária de 1998. Nesse momento, os RPPSs passaram a se submeter a novos paradigmas, tais como a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial2, a vinculação da receita previdenciária, a garantia dos segurados de representação nas instâncias em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação, entre outros.
Nesses mais de dez anos de reforma previdenciária do funcionalismo público, o Ministério da Previdência Social (MPS), órgão regulatório do setor, editou dezenas de normas com a finalidade de promover mecanismos de incentivo, constrangimento e sanção capazes de impulsionar os RPPSs a se adequarem aos novos paradigmas da previdência social brasileira.
Todavia, as atenções nesse decênio permaneceram voltadas para o ajuste fiscal e o equilíbrio das contas públicas, entre elas, para os vultosos desequilíbrios financeiros dos RPPSs da União, Estados e Municípios, que, em 1998, enquanto o RGPS possuía um deficit financeiro de 0,7% do PIB, os RPPSs, juntos, possuíam um de 3,7% do PIB (GIAMBIAGI, 2007).
Não por acaso, a regulação quanto aos aspectos de cidadania, especificamente o direito de participação dos funcionários públicos nos conselhos gestores dos seus RPPSs, não sofreu avanços significativos. Tanto a Lei n. 9.717, de 1998, que dispõe sobre regras gerais para a organização e funcionamento dos RPPSs, quanto as normas3 elaboradas pelo MPS (cinco portarias de um total de trinta e sete, e quatro orientações normativas de um total de dez) trataram poucas vezes do tema. E quando o fizeram, limitaram-se a explicitar a necessidade de garantir a participação de representantes dos servidores públicos nas instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de deliberação4 , não promovendo nenhuma espécie de regulação sobre o efetivo funcionamento desses espaços públicos deliberativos.
Assim, diante da magnitude dessa política social, diante do grande número de RPPSs, considerando o direito constitucional de participação dos trabalhadores nos seus regimes de previdência consoante preceitua o art. 10 da Constituição Federal de 19885 e diante da jovialidade do marco regulatório dos RPPSs (1998), importante se faz analisar o direito de participação dos trabalhadores na gestão de seus regimes previdenciários, especificamente o dos funcionários públicos, a fim de buscar melhorias na democratização da gestão dos RPPSs.
O artigo está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, apresenta os principais aspectos da literatura relativos às origens dos conselhos, bem como virtuosidades e desafios no seu funcionamento, e analisa a evolução histórica dos conselhos na previdência brasileira. Depois, com base na citada problemática, o artigo faz comparação da legislação6 dos conselhos gestores dos RPPSs estaduais mediante a utilização de alguns critérios como a natureza das atribuições, composição, forma de provimento do presidente e demais membros, duração do mandato, exigência de capacitação e retribuição pelo exercício da função de conselheiro. Como conclusão, verifica-se que a experiência democrática na gestão dos RPPSs estaduais ainda se encontra num estágio inicial, necessitando de avanços.