Resumo:
A Previdência brasileira, nela incluída os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que amparam os servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo das três esferas de governo do país, e o Regime Geral, que protege os trabalhadores da iniciativa privada e os demais servidores públicos sem a proteção dos RPPSs, possui mais de 48 milhões de contribuintes, correspondentes a 52,1% da população economicamente ativa ocupada e cuja taxa de cobertura vem crescendo nos últimos anos em virtude dos incentivos econômicos que têm sido criados para empresas e indivíduos1 (BRASIL, MPS, 2009b).
Além do crescimento da taxa de cobertura dos contribuintes, resultado dessa política é o atingimento do alto grau de proteção previdenciária dos idosos (atuais 81,7%) e a retirada de mais de 22 milhões de pessoas da linha de pobreza2 (BRASIL, MPS, 2009d e 2009c).
Relativamente aos RPPSs, mais de 9,2 milhões de pessoas, entre servidores públicos estatutários e militares ativos, inativos e pensionistas, encontram-se vinculados a algum dos 1.906 regimes existentes no país, com possibilidade de criação de mais 3.658, reativos aos municípios que não instituíram o seu RPPS (BRASIL, MPS, 2009b e BRASIL, IBGE, 2010).
Juntos, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e os RPPSs arcaram, em 2008, com uma despesa de R$ 238,3 bilhões, equivalente a 8,2% do Produto Interno Bruto nominal de 2008. Sucede que, malgrado as despesas com aposentadorias e pensões do RGPS (R$ 160,7 bilhões) equivalerem a 2,5 vezes a esses gastos no âmbito dos RPPSs (R$ 63,2 bilhões); o RGPS possui 21 milhões de aposentados e pensionistas, equivalentes a quase 7 vezes o número de beneficiários dos RPPSs (3,1 milhões) (BRASIL, MPS, 2009a e 2009b).
Decorre daí a importância de se acompanhar a gestão dos RPPSs, haja vista que o volume de recursos destinado a cada servidor vinculado a um RPPS é bastante superior ao dos recursos dirigidos aos beneficiários do RGPS.
À luz do contexto de reconstrução democrática, há mais de uma década do fim da Ditadura Militar, iniciou-se um movimento nacional de modelagem dos RPPSs, trazido com a reforma previdenciária de 1998. Nesse momento, os RPPSs passaram a se submeter a novos paradigmas, tais como a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial,3 a vinculação da receita previdenciária, a garantia dos segurados de se fazerem representar nas instâncias em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação, entre outros.
Nesses mais de dez anos de reforma previdenciária do funcionalismo público, o Ministério da Previdência Social (MPS), órgão regulador do setor, editou dezenas de normas com a finalidade de promover mecanismos de incentivo, constrangimento e sanção capazes de impulsionar os RPPSs a se adequarem aos novos paradigmas da Previdência Social brasileira.
Todavia, as atenções nesse decênio permaneceram voltadas para o ajuste fiscal e o equilíbrio das contas públicas, entre elas, os vultosos desequilíbrios financeiros dos RPPSs da União, Estados e Municípios, que, segundo Giambiagi (2007), em 1998, enquanto o Regime Geral de Previdência Social possuía um déficit financeiro de 0,7% do PIB, os RPPSs juntos totalizavam 3,7% do PIB.
Não por acaso, a regulação de seus aspectos de governança, especificamente o da representação e participação dos servidores públicos nos conselhos gestores de seus RPPSs, não sofreu avanços significativos. Tanto a Lei nº 9.717, de 1998, que dispõe sobre as regras gerais para organização e funcionamento dos RPPSs, quanto as normas elaboradas pelo MPS4 (cinco Portarias de um total de trinta e sete, e quatro Orientações Normativas de um total de dez), trataram poucas vezes do tema. E quando o fizeram, tais normas se limitaram a explicitar a necessidade de garantir a participação de representantes dos servidores nas instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação,5 não promovendo nenhum tipo de regulação sobre o funcionamento desses espaços públicos deliberativos.
Assim, devido à magnitude dessa política social, considerando a evolução do papel da sociedade civil no controle das políticas públicas, iniciada desde os anos 90, e, atualmente, na sua formulação e deliberação, e diante da jovialidade e limitação da política regulatória dos RPPSs, uniformizada somente em 1998, necessário se faz investigar o funcionamento dos conselhos gestores da Previdência Social brasileira, especialmente, o dos regimes próprios de previdência dos servidores públicos.
O artigo está estruturado da seguinte forma. Após esta introdução, o texto apresenta os principais aspectos da literatura relativos às origens dos conselhos (Seção 2) e virtuosidades e desafios no seu funcionamento (Seção 3), apresenta a discussão acerca do papel da sociedade nos conselhos (Seção 4), além de recuperar a história dos conselhos da Previdência Social no Brasil (Seção 5). Em seguida, com base na citada problemática, o artigo compara a legislação dos conselhos gestores dos RPPSs estaduais mediante a utilização de alguns critérios, como a natureza das atribuições, composição, forma de provimento do presidente e demais membros, duração do mandato, exigência de capacitação e retribuição pelo exercício da função de conselheiro (Seção 6). Em conclusão (Seção 7), verifica-se que a experiência democrática na gestão dos RPPSs estaduais ainda se encontra num estágio inicial e que, portanto, necessita de avanços.